Um filme deslumbrante e original. Nós acompanhamos um anti-herói, que por vezes é um herói. Sim, nada é definitivo por aqui… A nuance é algo que está sempre presente no filme. E a complexidade dos personagens é justamente o que faz com que seja um enredo próximo da vida real. Afinal, nem sempre somos mocinhos, né?
Percorremos um longo caminho acompanhando a trajetória do indiano Balram. Ele narra a sua história com detalhes sórdidos, se gabando de como tudo se desenrolou, alcançando uma posição bem sucedida e confortável na vida.
O filme é um tipo de drama com suspense, mas tem um humor sagaz e ácido, mais concentrado na primeira parte do filme.
A edição também é mais dinâmica e tendenciosa na primeira parte do longa. Depois ela se torna mais lenta e contemplativa, mas faz sentido diante do enredo do filme e do desenrolar das cenas.
Personagens ambíguos, fotografia digna de Oscar e um roteiro que te provoca mil e uma reflexões, este filme faz qualquer um furar sua bolha e sair da “caixinha”. Por mais que não concordemos 100 por cento com nosso protagonista anti-herói, não dá para negar alguns argumentos que ele coloca ao observar a sociedade, mais precisamente a Índia. E fica claro que ele pretendia, de fato, “explicar” como funciona as regras, tradições e cultura de seu país, a partir de sua interpretação. Ele tece quase que uma tese sobre tudo, como se pretendesse nos dar um “diagnóstico” sobre sua nação que, na verdade, serve muito para a nossa, muitas vezes. E ele nos provoca a refletir sobre isso. Um filme corajoso, ousado, sagaz, original e autoral. E tem sido esta uma tendência do Oscar, não é? Cada vez filmes mais diferentes, autorais, e de outros países.
É interessante que o filme foi inspirado num livro de um escritor indiano, que também fez a adaptação para o cinema, e quem o dirigiu também foi um indiano. Então é bacana pensar que são pessoas indianas cujo ponto de vista narrativo lhes é comum em algum momento, ou causou certa identificação de alguma forma. Dá para sentir que é uma história de cunho muito autoral. Se o filme é, o livro também deve ser. Além disso, é uma interpretação muito pessoal da cultura e dos problemas sociais da Índia, mas que parece ter feito sentido tanto para escritor quanto para cineasta. Independente de nós, telespectadores, concordarmos ou não com tal visão, vale a pena assistir. Se não servir para a Índia, quem sabe não serve para o nosso país?
O protagonista fala que na Índia há poucas maneiras de se ascender socialmente. E são sempre maneiras não lícitas, desonestas. Para a minha surpresa, o nosso protagonista é também muito descrente das tradições de seu país. Demonstrando até certo desprezo por elas e muitas vezes até por sua família.
Na infância o protagonista é comparado a um tigre branco, uma vez que é um animal raro e diferenciado, que supostamente só nasce uma vez a cada geração. E Balram, quando criança, exibia maior conhecimento e habilidade do que os demais de sua idade. Mais que isso: o filme dá a entender que ele era meio autodidata. E além de tudo tinha uma ambição borbulhante dentro de si.
O filme claramente bebe da fonte de Maquiavel, e também do vencedor de Melhor Filme do Oscar do ano passado: “Parasita”. Mistura interessante e que vale a pena assistir!
E para uma quarentena divertida, confira outras de nossas dicas!