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Naquela mesa

Crônica: Naquela mesa

Não sou chegado em datas comemorativas, como Dia das Mães, dos Pais, do “Surfista de Trem” etc, por pensar que são meramente comerciais. Certa ocasião um amigo marcou uma pescaria que caiu exatamente no Dia dos Pais. Tomei uma bronca danada em casa, mas utilizei o argumento (desse amigo): “Eu não tenho mais Pai”. O clima azedou de vez…

Essa semana eu estava no meu segundo “bunker” (meu carro – o primeiro é o escritório), na solidão da estrada, ouvindo músicas antigas (para variar). De repente começou a tocar “Naquela Mesa” (de Sérgio Bittencourt), na magistral interpretação de Elizeth Cardoso, que, por coincidência, era a cantora preferida de Papai.

Confesso que há muito tempo vinha evitando ouvir essa música, por pura covardia. Dessa vez, porém, deixei:

“Naquela mesa ele sentava sempre. E me dizia sempre o que é viver melhor. Naquela mesa ele contava histórias. Que hoje na memória eu guardo e sei de cor”.

Quase causei um acidente, pois meus olhos turvaram. O pensamento voou, levando-me de “volta ao ninho antigo”, o lar paterno, (Luís Guimarães Júnior).

A casa dos meus Pais tinha salas de estar e jantar no centro e quartos nas laterais. A copa, como chamávamos a sala de jantar, era a alma do lar. Nela havia uma grande mesa de fórmica, na qual Papai passava grande parte do seu tempo: lendo, assistindo televisão e conversando.

De vez em quando, Papai trazia para a copa sua velha máquina “Halda”, para nela trabalhar ou escrever suas maravilhosas crônicas. “E nos seus olhos era tanto brilho, que mais que seu filho, eu fiquei seu fã”.

“Naquela mesa ele contava histórias” das suas lutas, pescarias, temores, derrotas e vitórias. Dava conselhos, ouvia minhas queixas. Ensinava-me a ser um homem de bem. Papai era tão especial, que naquela mesa, até minhas manifestações processuais fazia. No início da minha carreira no Ministério Público (hoje posso confessar) Papai fazia grande parte do meu trabalho.

No final do dia, ao voltar para casa, enquanto eu descansava um pouco, Papai lia os processos e anotava. Depois, pedia para eu trazer a máquina de escrever e me ditava as petições. “Minhas” manifestações processuais eram perfeitas (pudera, com um mestre desses).

Papai era o melhor: filho, irmão, marido, pai, amigo, advogado e homem. “Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, o que a boca não diz, o que a mão não escreve?” “O pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve… E a Palavra pesada abafa a idéia leve” (“Inania Verba” – Olavo Bilac – era uma das poesias favoritas de Papai).

Naquela mesa, Papai sempre falava: “Eu quero ‘ir’ antes da minha Lu” (maneira carinhosa como chamava Mamãe). Os anos passaram e, percebendo que sua querida Lu estava gravemente doente, um dia, simplesmente “desligou” seu coração. Parece que Deus, em sua infinita bondade, atendeu seu desejo. “Venceu o tempo de meu Pai. (Que tristeza! Que saudade!)” (Rubens Sudário Negrão, “A Estrada da Vida”).

“A duras penas, chorando sempre, consegui escrever a crônica de hoje. Desta vez, não o fiz para vocês e me desculpo. Escrevi para mim mesmo. Foi ela ditada pelo amor, pela gratidão, pela saudade” (Rubens Sudário Negrão, “A Estrada da Vida”).

Naquela mesa tá faltando ele. E a saudade dele tá doendo em mim.

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