PARTE I – As origens
A gente antiga do sul e do centro das Minas Gerais era formada por uma mistura de índios, que acompanharam e guiaram muitos antigos bandeirantes paulistas, que para lá se digiram e descobriram ouro e pedras preciosas, a partir do final do século XVII; por portugueses, a maioria oriunda das ilhas dos Açores e Madeira, que já traziam em suas veias uma boa dose de sangue flamengo e judeu marrano; e de negras, com as quais muitos senhores tiveram suas “crias” (filhos “ilegítimos”, não reconhecidos).
Foi assim, então, através da mistura de antigos nativos brasileiros (bandeirantes paulistas), indígenas, portugueses com sangue flamengo e judeu, e de negros, que se constituíam geneticamente os mineiros que, a partir do início do século XIX, com a decadência da mineração e por problemas políticos, começaram a deixar aquela região e a embrenhar-se pelo desabitado e fértil solo do sertão paulista, formado por terras que se encontravam ao sul, além do rio Grande e a oeste da capital da Província de São Paulo, de Sorocaba e de Itu, com algumas poucas Villas mais interiores, como Constituição (Piracicaba).
Esse movimento migratório de ocupação, de conquista, de posse da terra e de desenvolvimento, ficou conhecido como “Bandeirismo de Retorno”; contudo, atualmente essa gente é designada como “Entrantes Mineiros”, que adentraram o sertão paulista, seguindo antigos caminhos e rotas, tomaram posse da terra ou compraram partes de antigas sesmarias, constituindo fazendas, arraiais e patrimônios, muitos dos quais, algum tempo depois, tornaram-se Villas (municípios).
Foi um movimento que durou mais de um século e que, a partir de pontos (arraiais e Villas) cada vez mais inseridos no interior do sertão, realizou paulatinamente novos avanços e conquistas, sempre mais para o oeste e para o sul, até as barrancas dos rios Paraná e Paranapanema, já no final do século XIX e para o fértil norte do Paraná, nas primeiras décadas do século XX.
Muitos pioneiros e pioneiras ficaram pelo caminho, não completando a jornada. Outros que chegaram, mas já mais idosos, permaneceram nas primeiras Freguesias e Villas, em que se instalaram, cabendo aos de meia idade e aos mais jovens, alguns já nascidos em terras paulistas, continuarem a empreitada, repetindo o mesmo processo dos antigos: tomar posse ou comprar a terra, desbravá-la e desmatá-la, construir capelas, invocar um santo protetor, fundar arraiais, doar parte das terras à Igreja, que as loteava, assim nascendo e crescendo muitas Villas, que posteriormente foram designadas de cidades.
Nesse contexto, no início dos anos de 1840, um grande clã, composto por duas grandes famílias aparentadas, Landim e Valle, oriundo de Douradinho, distrito mais antigo que Santo Antonio do Machado, que mais tarde se tornou a sede do município, no sudoeste mineiro, chegou na vasta região dos Campos de Aracoara (Araraquara), onde atualmente estão localizados os municípios de Ibitinga, Itápolis e Tabatinga, no centro-oeste paulista, tornando-se, com o tempo, donos e senhores de grandes propriedades.
Alguns Landim, especialmente Miguel e irmãos, por questões de desentendimentos com o alferes Pedro Alves de Oliveira (filho do sargento Amaro José do Valle), que havia comprado a Fazenda Boa Vista do São Lourenço, em 1856, onde o clã Landim-Valle estava assentado, acabaram deixando essa propriedade. Após algumas “andanças” a mais dentro dessa região dos Campos de Aracoara, os irmãos Landim, com suas respectivas famílias, acompanhados por agregados e escravos, se estabeleceram definitivamente, por volta de 1860, numa área que corresponde hoje a parte considerável do município de Ibitinga.
Após essa instalação definitiva, era necessário dividir a vasta gleba em que se estabeleceram, entre os componentes do clã, cabendo aos mais idosos fazer a partilha, tornando-se, assim, eles e seus descendentes, seus efetivos proprietários.
A partir dessa divisão, a família composta por Miguel Francisco Landim e sua esposa, Anna Custódia de Jesus e seus filhos, ficou com as terras compreendidas desde o alto de uma colina até a baixada, entre os córregos São Joaquim, Saltinho e Água Quente, sendo que posteriormente doaram parte dessa propriedade ao Senhor Bom Jesus de Ibitinga, em 03 de outubro de 1870.
Mas a História não estava encerrada nem parou por aí. Estava apenas começando a segunda parte…
PARTE II – A consolidação
Terras havia muitas naquela época, no sertão paulista. A maioria pertencia ao governo da província, constituíam antigas sesmarias, eram devolutas, precisavam ser ocupadas, cultivadas e aproveitadas e eram extremamente baratas. Porém, era necessário gente corajosa para enfrentar a solidão e as distâncias do sertão, animais ferozes, insetos, doenças e os primitivos “donos” das terras brasileiras, os indígenas. Tudo era praticamente uma mata só, entremeada por capoeiras, cerradão, campos e banhados, cortada por riachos, ribeirões e rios de médio e grande porte.
Os primeiros pioneiros (clã Landim-Valle) a se estabelecerem permanentemente nessa região dos Campos de Aracoara, fundaram três núcleos principais: o arraial do Espírito Santo do Córrego das Pedras, cuja área em que estava assentado foi doada à Igreja, em 1862, pelo alferes Pedro Alves de Oliveira e em 1910 recebeu a denominação oficial de Itápolis; o arraial do Senhor Bom Jesus de Ibitinga, fundado pelos Landim, provavelmente em 1860, cuja doação ao padroeiro, o que corresponde à Igreja Católica, ocorreu em 1870, como já visto; e em 1896 outra doação ao bispado, desta vez em louvor a Nossa Senhora do Bom Conselho, concretizada por Izaias Xavier do Valle, consolidou o povoado de São João das Três Barras, posteriormente denominado de Tabatinga.
Mas e depois da fundação, que, na realidade, se iniciava com a constituição de um arraial, formado por poucas e simples casas, servido por um pequeno comércio e a posterior doação dessa área e adjacências à Igreja Católica, para que ela a loteasse, visando o aumento da população e consequentemente o incremento do comércio, estava tudo resolvido?
Logicamente que não! Aí começava de fato a segunda parte:
A consolidação do desenvolvimento econômico e social desses patrimônios, a partir da vinda de novos e também destemidos pioneiros, capazes de ampliar o comércio e a vida local, bem como completar o desbravamento da região, constituindo novas fazendas e bairros rurais, o que resultava, quase sempre, na elevação desses patrimônios à condição de Villa (municípios).
E foi exatamente isso que ocorreu em Ibitinga, a partir de 1876/77, quando novas e aparentadas famílias de pioneiros, oriundas sobretudo de Pouso Alegre, sul de Minas Gerais e que desde 1840/41 haviam começado a se instalar no Arraial de Nossa Senhora das Dores das Brotas, transformando-se em grandes proprietárias, auxiliando no crescimento local e na sua elevação à Villa, começaram a migrar para a região do arraial do Senhor Bom Jesus de Ibitinga, realizando nele o que já haviam feito, com sucesso, em Brotas.
Esses novos pioneiros seguiram um itinerário natural, acompanhando o curso do rio Jacaré-Pepira (Jacarezinho), que nasce em terras brotenses e deságua no rio Tietê, em terras ibitinguenses. Brotas, quando lá chegaram, era um pequeno arraial.
Composto, a exemplo dos Landim, por gente sul mineira, o abastado clã liderado por Manoel Joaquim Simões e sua segunda esposa, Felisberta Maria da Conceição, viúva de um importante fazendeiro de Pouso Alegre e região, o Capitão Francisco Lopes da Silva, foi responsável por um grande incremento na vida social, econômica e política do arraial de Nossa Senhora das Dores das Brotas.
Manoel Joaquim e Felisberta não tiveram filhos; contudo, tinham muitos do primeiro casamento de ambos. O entrelaçamento entre essas famílias começou em Pouso Alegre, quando alguns dos filhos de Manoel e do Capitão Francisco Lopes da Silva se casaram, iniciando assim a união entre as famílias Simões e Lopes.
Um dos filhos de Manoel, o Capitão José Rodrigues Simões, se tornou, em 1890, o primeiro intendente de Ibitinga. Felisberta, a partir de seu primeiro casamento, com o Capitão Francisco Lopes da Silva, tornou-se a matriarca (o tronco) de uma grande família, cujos ramos, que chegaram ao arraial do Senhor Bom Jesus de Ibitinga, era formado por Lopes, Custódio, Oliveira (Gouveia), Correa de Godoy e Prudenciano.
Foi, portanto, o clã Simões-Lopes e os entrelaçamentos dele advindos, formando novos ramos com os Custódio de Souza, Oliveira (Gouveia), Correa de Godoy e Prudenciano de Souza e Silva, que formou a base da Segunda Parte da história da colonização, do desbravamento e do desenvolvimento do arraial do Senhor Bom Jesus de Ibitinga.
Essas famílias irmanadas, inicialmente os Custódio, Prudenciano, Gouveia e Correa, aqui chegando, por volta de 1876, adquiriram grandes propriedades, especialmente entre os dois rios Jacarés (Pepira e Guaçu), formando fazendas e como seus ascendentes, em Brotas, desenvolveram o comércio, a agricultura; enfim, a vida social, econômica e política de Ibitinga, tornando-se, juntamente com os fundadores Landim, fazendeiros, vereadores, intendentes e delegados. Encerrando o ciclo de Ibitinga arraial, iniciando o de Ibitinga Freguesia e o de Ibitinga Villa (município).
Mas, não satisfeitos, ainda fizeram o mesmo em São João das Três Barras (Tabatinga) e na vila de Londrina, no norte do Paraná. Numa marcha sempre em direção ao sul e ao oeste e depois para todos os lados. Marcha ininterrupta, que continua até hoje e na qual se juntaram e se juntam imigrantes e migrantes das mais variadas origens e regiões…
Referências Bibliográficas
Livros:
Anotações Familiares, Maria Lucia Pinheiro, São Paulo, 1990.
As Três Ilhoas, Segundo Volume, Segunda Parte, José Guimarães, 1990.
Brotas: Cotidiano e História, Adriana Ramos [et al]. – Brotas, SP: Prefeitura Municipal de Brotas, 1996.
Os judeus que construíram o Brasil: Anita Novinsky [et al]. – São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.
Blog:
Famílias Correa de Godoy e Fracalossi, Eliseu Correa de Godoy, 2012.
Revista:
IBITINGA – SUA GENTE, SUAS COISAS. Edição de “O Comércio”, 1971.
Arquivo pessoal