1 – Me conte como sua carreira se iniciou. Qual foi sua trajetória?
Iniciei minha faculdade de Cinema (UNESA) em 2001. Busquei estágio na produtora O2, como assistente de direção, mas só tinha vaga como assistente de maquiagem. Abracei a oportunidade e iniciei minha carreira no áudio visual através do “Cidade dos Homens”. Seguiram-se mais 10 longas, dentre eles Tropa de Elite 1 e 2. Há 12 anos trabalho na Rede Globo como caracterizador. Atualmente caracterizo o programa “Zorra”. É um aprendizado incrível. Em paralelo, nas minhas férias, realizo meus filmes;
“Elas Preferem Jiló” (2002): 01 festival
“Na Hora de Dizer Sim…(2003): 04 festivais
“A Idade da inocência” (2012): 15 festivais – 03 prêmios.
“Escolhas” (2017): 84 festivais – 47 prêmios
“Rosas” (2019): 50 festivais – 15 prêmios
“Entreolhares” (2020): 21 festivais – 21 prêmios
2 – Fale sobre seu filme premiado: “Entreolhares”. Qual o conceito dele e o que está por trás das suas escolhas de locação, atores e etc.
“Entreolhares” é uma completa comunhão de bênçãos. Eu queria desenvolver um roteiro com uma personagem com necessidades visuais. Em uma semana estava com o roteiro pronto. Mas encontrar uma locação redonda eu sabia que seria quase impossível., porém, sou adepto do pensamento de Walt Disney: “Eu gosto do impossível, porque lá a concorrência é menor”.
Passei 2 anos em busca de uma locação que se adequasse ao meu roteiro. Eu não filmo enquanto não acho a locação perfeita. Certo dia, eu estava no festival Festcine Pedra Azul (ES), e alguém me entregou um panfleto que continha a foto de uma casa redonda, dividida em 5 domos. Eu fiquei louco, desesperado, querendo descobrir onde encontrar o dono daquela casa. Sabia que havia encontrado minha locação perfeita e ainda vinha com um plus: uma janela em formato de olho. Presente de Deus.
Eu queria que a casa fosse um personagem à mais. Em referência à fala do Personagem que faz o marido (Sandro), a casa e todos os móveis deveriam ser arredondados para que a personagem cega não se machucasse em pontas e quinas. Eu e Marina Azze percorremos antiquários atrás de objetos que retratassem os anos 1960, com aspecto único, fora do trivial. Na fotografia eu busquei realçar as cores para contrastar com o mundo escuro da personagem Maria, que não enxergava. A linda fotografia é resultado do talento inconteste de Felipe Alex.
Tive muita dificuldade para encontrar um ator. Passaram pelo projeto 7 atores e todos foram desistindo por conta de outros compromissos: Caio Castro, Mateus Solano, Henri Castelli, Anderson Di Rizzi, Eriberto Leão, Vinícius de Oliveira e Alex Reis. Faltando um mês para as filmagens a atriz Tuna Dwek me indicou seu amigo Daniel Satti. Nos falamos por horas pelo telefone e percebi que eu havia encontrado o ator do meu filme. Daniel é super aberto e logo propus para que ele e a atriz Marina Azze, se conhecessem apenas nas filmagens, para manter o frescor do desconhecido. Eu os queria “desarmados” em cena. Marina adorou a proposta e foi além, sugerindo que eles se conhecessem realizando a cena de sexo, logo de cara. Foi genial, pois, com isso eles se entregaram literalmente de corpo e alma aos seus personagens e você consegue perceber muita química entre eles. Eu fiquei fascinado com tamanha disponibilidade e talento de ambos. Pra abrilhantar ainda mais, Coloquei a sempre excelente Tuna Dwek numa participação de luxo.
3 – E sobre seu outro sucesso: “Escolhas”? De onde surgiu a ideia para esse filme e qual foi o conceito para concebê-lo?
Meu filme “Escolhas” é o grande divisor de águas. Minha carreira tomou um novo rumo depois do sucesso desse filme. Trabalhar com Carolina Kasting, Tuna Dwek e Raul Labancca, foi no mínimo inspirador. Com o apoio incondicional da minha equipe de talentos (Janine Bastos na produção; Kennel Rógis na fotografia, Natália Zincone no figurino, Raphael Facundo no som, Luana Willig como assistente de figurino e continuísta e na pós- produção com Henrique César na edição e Ricardo Severo na trilha sonora original), tive em mãos, a união de talentosos que se doaram para que o trabalho se concretizasse da forma mais eficaz. O roteiro aborda a problemática universal da pedofilia, um assunto muito delicado e que eu próprio sofri nos meus idos 5 anos de idade. Concebi o filme todo em preto & branco para refletir o mundo de dor e amargura das personagens. O mundo em que elas viviam não tinha como ser colorido. Era um mundo cinza. Meu elenco foi de uma generosidade ímpar. Faltando 2 meses para as filmagens em 2016, Carolina Kasting me avisou que engravidara. Me perguntou se eu colocaria outra atriz em seu lugar. Jamais faria isso. Esperei seu filho nascer e mais 6 meses de amamentação. Quando a própria Carolina me deu o sinal verde, enfim, fomos para as filmagens 1 ano após.
4 – Que tipo de coisa, história ou tema te inspira para fazer filmes?
Histórias reais me inspiram muito, sempre me interesso pela vida como ela é. Procuro sempre abordar temas que tenham um cunho social a ser debatido e trago para a minha forma de contar histórias passando longa da obviedade. Gosto de surpresas entremeadas em meus filmes. Conflitos é sempre um bom alicerce para um bom roteiro.
5 – Qual é o estilo de cinema que você acredita ser o seu? E, como diretor, tem algum traço em comum que podemos perceber nos seus filmes? Há alguma marca registrada?
Muitas pessoas começam a identificar meu estilo, minha assinatura. Eu próprio vou descobrindo à cada filme. Eu me identifico muito com filmes de época, geralmente meus filmes são ambientados em décadas passadas. Gosto de usar recursos de flashback, tomadas aéreas, cenas com reviravoltas, mas sempre com uma câmera poética, que não interfira no bem maior que é a atuação dos atores.
6 – Sendo tão difícil fazer cinema no Brasil, qual dica daria para quem precisa captar recursos para fazer um filme?
Taí uma pergunta que eu não sei responder. Até hoje não aprendi a captar. Os que eu tentei, não consegui. Resolvi parar de esperar. Juntei minhas economias e fui adiante. Fiz meus 6 filmes através do meu bolso e do engajamento de toda a equipe.
8 – Qual seu filme favorito?
Meu filme favorito é “Thelma & Louise”. Assisti 89 vezes. É um filme que me descreve. É uma ode à liberdade e à amizade. Assim como eu, as personagens vivem intensamente e são unidas mesmo nas maiores adversidades. Uma montanha-russa de emoções tal qual como a vida.
9 – Qual conselho você deixa para os interessados em estudar cinema, caso esses não tenham acesso à faculdade? Quais são os outros caminhos possíveis?
Para aqueles que não tem acesso à faculdade, aconselho a dedicarem a ver muitos filmes, com olhar curioso, tentando descobrir como foi feita cada cena, o posicionamento de câmera e estudar de forma autodidata, participar de lives sobre o assunto e se unir aos profissionais que a pessoa tiver alcance, Se ofereça para realizar estágios, mesmo que seja como ouvinte, mas seja curioso sempre. Fique atento às oportunidades. Não espere que alguém faça por você o que somente você pode fazer. Aprendizado é algo que ninguém nos tira.
E você, leitor, já assistiu “entreolhares”? Gostou da entrevista? Você pode conferir outro bate papo clicando aqui. Até a próxima!