Meu caro leitor: esse escrevinhador, de letrinhas corridas, nasceu em família pobre – com avós e bisavós ricos – morou em fazenda, no meu querido Cambaratiba (tinha o exato tamanho do mundo para quem sempre lá viveu) e na Rua Cerqueira César, na hoje Dr. Victor Maida, como também no bairro Cerqueira César em São Paulo (exatamente na divisa com o Bexiga), onde fui para fazer cursinho para medicina e tornei-me Bacharel em Direito.
Acho que além das influências próximas (que vou relatar), o próprio xará “José” Alves de Cerqueira César, que se formou na São Francisco deve ter dado uma mão na mudança de rumo profissional.
Já ouviu o ditado (verdadeiro): “Pai rico, filho nobre, neto pobre”? Difícil errar.
Mas na riqueza da pobreza que tive, não posso deixar de agradecer a nobreza da minha família, nem ao meu pai, que era consorte nessa história familiar. Foi pai cedo, aos 21 anos.
Minha relação com ele era de grande amizade e intimidade, talvez os poucos 21 anos de diferença influenciaram muito. Partiu cedo, tanto quanto minha mãe.
Fica o registro pelo “Dia dos Pais” (no domingo, dia 11/08), quando aproveito para parabenizar a todos os que são pais, verdadeiramente PAIS. Pai é aquele que educa; que ensina bons modos; aquele que repreende, mesmo que severamente; pai é aquele que paga as contas, às vezes infindáveis. Acima de tudo, pai é aquele que dá e recebe amor, carinho, abraço, beijo, um eu te amo. Não é aquele permissionário de tudo de seus filhos (filhas).
Não sou educador, nem psicólogo, mas, o mundo está de ponta cabeça, porque estão achando que a família deixou de ser a célula mãe (mater) de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.
Com as questões de relações interfamiliares desde o divórcio (oficialmente com a Emenda Constitucional nº 9, de 28/6/1977, regulamentada pela lei 6515 de 26/12/1977, de autoria do senador Nelson Carneiro (RJ)), cuja norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela influência religiosa que ainda pairava fortemente sobre o Estado.
Depois do divórcio começou a aparecer um novo casamento e, mais recentemente, com o Código Civil, além do concubinato, apareceu a união estável.
Novos filhos que devem se conviver; o casamento entre pessoas do mesmo sexo (também chamado de casamento homossexual, casamento gay ou casamento homoafetivo). Os defensores do reconhecimento legal de casamento do mesmo sexo (incluo-me) geralmente se referem ao seu reconhecimento como casamento igualitário, com adoção de filhos, numa nova conformação, na qual não pode haver nenhum modo de discriminação.
Começaram a pensar – ao que parece – que a família não teria mais a relevância que tinha para a sociedade contemporânea. A família continua sendo de grande importância para que tenhamos bons filhos, no caminho de uma religião, do respeito à escola e aos professores, das autoridades devidamente constituídas.
De filhos cônscios de suas responsabilidades sociais e com a Pátria. Parece que estamos vivendo isoladamente, na Ilha do Tambaú, que tanto conheci, nas águas do Tietê. Novos Crusoé, a procura de amigos, Sextas-feiras (só nas sextas-feiras).
Do barulho silencioso da mansidão da correnteza do Tietê e dos barulhos e sombras das grandes árvores que estavam nas margens do rio, ajuntado com os cantos das aves, esse pé vermelho, vai aos poucos conhecendo um mundo, nunca dantes visto.
Do motor a óleo diesel em Cambaratiba, que tocava a eletricidade, do pequeno posto telefônico, a pequena farmácia, uma cela e um soldado, os armazéns e o bar; tinha o Clube, a Praça da Igreja São João Batista e o footing das belas mulheres daquele pacato lugar.
Meu avô era atirador e caçador dos bons. Nas pescas era imbatível. Seu rancho era muito bem frequentado, inclusive por senhoras refinadas. O que acontecia no rancho, era mais ou menos o que acontece em Vegas, fica em Vegas (What happens in Vegas, stays in Vegas” (“O que acontece em Vegas, fica em Vegas”). Tudo que acontecia no rancho, ficava no rancho.
Por conta dessa minha convivência um pouco prematura com meu avô (eu era o neto mais velho), tive a grande felicidade de conviver muito proximamente com ele e com os seus amigos. Mas, tive – e acho que isso foi muito bom para mim – o grande prazer de conviver com os colonos da Fazenda.
Esses homens e mulheres, na quase totalidade, não sabiam ler nem escrever, mas eram as pessoas mais sábias com quem convivi e conheci. Na estrada que dava acesso à casa da sede, tinha uma belíssima Paineira, uma árvore que não me sai do pensamento. Espinhos enormes, como se fosse uma imensidão de roseira. Espinhos que defendiam aquela Paineira, como se fosse a única, bem como os pássaros que lá faziam seus ninhos. Suas flores eram exuberantes e as painas, quando caíam, pareciam o maná ou a neve cambaratibense. Era esse meu pequeno mundo.
Na cidade começo a ver o Durval Salles acender as luzes dos postes, ao começar a cair a noite, e a clarear as ruas, ao invés do luar que estava eu acostumado a ver. As estrelas que via em todo o céu, sumiram, como se o mundo se tornasse totalmente encoberto por uma nebulosidade. Cadê aquele céu lindo que via do terreirão, com os colonos? Havia sumido, como somem na claridade a luz das velas acesas durante a noite, ainda que a fé seja grande e persistente no decorrer dos dias.
Vi chegar o aparelho de TV, nas imagens distorcidas, em preto e branco, quase inaudível. Como poderia com aquelas antenas pé-de-galinha, viradas para Brotas, receber aquelas imagens? Incompreensível. Sabia que nas ondas do rádio, em AM (Modulação em Amplitude) a voz chegava. Mas a imagem, era quase uma bruxaria.
E as coisas foram mudando. Do fogão a lenha, para o fogão a gás. Da geladeira a querosene, para a elétrica. O telefone que era único, várias casas já o tinham. Comecei a ver fotografia, no Seino e, depois no Nakamura. Era muita coisa.
As coisas foram evoluindo e, em 20 de julho de 1969, os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin (Edwin Eugene Aldrin Jr) pisam em solo lunar e, depois de 50 anos, dizem que a sofisticação dos equipamentos era muito menor do que qualquer smartphone que carregamos no bolso hoje em dia.
Michael Collins pilotou sozinho o módulo de comando e serviço Columbia na órbita da Lua enquanto seus companheiros estavam na superfície lunar. Um feito que a humanidade jamais esquecerá. Acabou-se o encanto da lua, para quem já havia perdido o encanto das estrelas, por conta das luzes nos postes que o Durval não deixa de acender, todos os dias.
Da corrida espacial, o mundo começou a se dividir e surge a Guerra Fria, parecendo um castigo. E eu, acostumado a comer coisas simples e a conversar sobre o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça, começo a notar que os sinos da Igreja Matriz tocavam a fúnebre, sempre que alguém partia dessa para outra. Os velórios eram nas casas e eu tinha medo de adentrar nas casas, depois. Aí morreram os bisavós e avós e esse medo foi com eles.
Vou para São Paulo, na adolescência, cursar o 3º Colegial, em Escola Pública e, ao mesmo tempo, fazer cursinho para medicina, o que logo foi abandonado, graças a tia Odete Saad Secanho, meu estimado amigo e médico dos mais respeitados que conheci, Dr. Tonini e talvez a sina em ter sido seguido pelo Cerqueira César.
Morei no Jurucê, lá na divisa do Bexiga com Cerqueira César, como disse. Aos domingos, depois de encomendar o frango de “televisão de cachorro”, na rua Frei Caneca, no “Bar do Portuga” nosso amigo, íamos até a Praça Roosevelt, no Posto Telefônico, pedir a chamada para Ibitinga.
Voltávamos para o almoço e retornávamos por volta das 16 horas, para ouvir, da cabine: “São Paulo chamando São Carlos. São Carlos chamando Araraquara”. Caia a ligação e retornávamos para a fila, onde estava uma multidão tentando falar com familiares. Eram horas e horas de espera.
Num pulo grande nessa narrativa, que me parece já vai chateando, lendo a Revista de Informática n. 2, em Santos, vejo um computador (PC Thor) e um processador de texto (wordstar). Esse processador de texto foi criado por Seymour I. Rubinstein e publicado pela MicroPro.
Originalmente escrito para o sistema operacional CP/M, posteriormente portado para DOS. Chegou a ser vendido pelo valor de 495 dólares americanos. A primeira versão, lançada em 1978, em linguagem assembly em apenas quatro meses, um feito que foi estimado depois pela equipe da IBM como equivalente a 42 anos de trabalho de um programador normal. Achei que poderia utilizar para o trabalho, no meu ofício, e começamos a abandonar a máquina de escrever, elétrica, IBM ou FACIT.
Depois de algum tempo chega o Windows. O que era feito em DBase, Cobol e outras linguagens complexas, tornou-se extremamente amigável. Buzz Aldrin tem razão, as coisas evoluíram muito rapidamente. Tudo se transformou a ponto de empregos serem perdidos e muitas profissões irão sucumbir, rapidamente.
As conversas pelos aplicativos ou por vídeo se tornaram rotinas. Os carros já começam a ser chamados por aplicativos. O trem japonês alcança 1.200 Km por hora. Para quem só imaginava ver o céu e procurar galáxias, imaginando que só existia a nossa – a Via Láctea – como compreender esse novo mundo digital, a não ser se adaptar e conhecê-lo. Não tinha e não tem outro caminho. Mas há algo gravíssimo em tudo isso.
As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrênica da humanidade capaz de enviar equipamentos para a Lua, onde pretende fazer uma base para chegar a Marte, para que possam os humanoides, na forma que conhecemos morar por lá, como se nosso Planeta fosse algo descartável, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome.
Vão chegar, como disse Saramago, mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante. Com gastos que se medem em cálculos astronômicos, que fariam de nosso Planeta ou Cambaratiba, o melhor lugar para ficar, vendo o silêncio do barulho do Tietê, que tanto está poluído e, de onde, bebíamos a água límpida e víamos o fundo, em alguns lugares.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem (SARAMAGO).
“Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor”.
Chega-se mais facilmente a Marte, partindo de Cambaratiba, do que ao nosso semelhante, parafraseando o único escritor português a receber o Nobel de literatura.